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Curiosidades da Copa: como o Brasil ganhou de vez a Jules Rimet

Bellini e o gesto que eternizou, na Copa da Suécia/58

Bellini e o gesto que eternizou, na Copa da Suécia/58

Reprodução

Das 21 decisões que já aconteceram na História preciosa da Copa do Mundo de Futebol, exatamente um terço, sete pelejas, se estenderam a uma prorrogação. E a Holanda, em 2021 formalmente rebatizada de Neerlândia, participou de três e caiu em todas. Das sete, em duas ocorreu a necessidade da loteria dos penais. A Itália esteve em ambas, com um insucesso diante do Brasil e um triunfo sobre a França. E o formidável trajeto se divide em nove edições cujo laurel foi a Taça Jules Rimet e doze com a sua substituta, a Taça FIFA, no lugar da anterior que o Brasil abiscoitou definitivamente no certame do México/70.

A Jules Rimet

A Jules Rimet
FIFA

O Brasil, aliás, participou da final mais estranha de todas, uma final que não merecia tal nome pois se tratou, somente, de um jogo dentro de um grupo. Na Copa que organizou em 1950, o anfitrião brigou pelo título num mini-certame de quatro equipes, com a Espanha, a Suécia e o Uruguai. E chegou à rodada derradeira em busca de um empate, o suficiente para ganhar o título. Já descartadas a Espanha e a Suécia, ostentava quatro pontos e a Celeste, apenas três. Conforme se sabe, fracassou naquele fatídico “Maracanazo”

A Taça FIFA

A Taça FIFA
FIFA

Foi um capitão do Brasil, todavia, o involuntário idealizador de uma cena emblemática. Antes que ele, o saudoso Hideraldo Luís Bellini (1930-2014), na Suécia/58, garbosamente levantasse aos céus a Taça Jules Rimet, o principal atleta de cada equipe se limitava a receber a maravilha de maneira protocolar. Em 1950, pior, no cenário de desolação que a queda do Brasil impôs, o Uruguai recebeu a sua taça sem qualquer cerimonial. Eis como transcorreram todas as decisões em que a Jules Rimet se destacou como personagem:

Em 1930, a entrega da taça, no vestiário

Em 1930, a entrega da taça, no vestiário
FIFA

URUGUAI/30 (13 Nações)
Dia 30 de Julho
Uruguai 4 X 2 Argentina
Montevidéu, Estádio Centenário, 90.000 espectadores
Árbitro: Jean Langenus (Bélgica)
Gols: Dorado, Cea, Iriarte, Castro X Peucelle, Stàbile

Um mediador pusilânime, que apitou de paletó e gravata, quase atrapalhou o triunfo da “Celeste” na competição que inaugurou a antologia da competição. Por exemplo, não soube administrar a questão da bola do jogo. O time da casa queria uma pelota fabricada no Uruguai, E o time visitante ameaçou não entrar em campo se a redonda não fossse originada em suas plagas. Acabou por solucionar o dilema num sorteio, bola da Argentina na etapa inicial, e placar de 2 X 1, impedimento no tento de Stábile. Depois, na etapa derradeira, Langenus se acovardou, permitiu as botinadas do anfitrião, anulou o terceiro tento, legítimo, da Argentina, e permitiu a reação. Héctor Castro, o autor dos 4 X 2, ganhara o apelido de “El Manco” pois nascera sem parte do braço direito, na altura do seu cotovelo.

Em 1934, com a presença de Benito Mussolini e a saudação fascista

Em 1934, com a presença de Benito Mussolini e a saudação fascista
Reprodução

ITALIA/34 (16 Nações)
Dia 10 de Junho
Itália 2 X 1 Tchecoslováqua (prorrogação)
Tempo normal: 1 X 1
Prorrogação: 1 X 0
Roma, Stadio del Partito Fascista, 73.200 espectadores
Árbitro: Ivan Eklind (Suécia)
Gols: Orsi, Schiavio X Puc

Apesar da presença do “Duce” Benito Mussolini, e apesar do fanatismo além de insano da sua torcida, a “Azzurra” penou bastante para sobrepujar o voluntarismo da equipe da Tchecoslováquia. Por exemplo, o ala Antonin Puc fez 1 X 0 aos 70’ mesmo cambaleante por causa de uma crise de cãibras. E a Itália só igualou aos 80, uma triangulação Giovanni Ferrari-Enrique Guaita-Raimondo Orsi, porque a retaguarda inimiga meramente olhou a troca de passes. Um lance heróico definiria o título aos 5’ da prorrogação. Seu pé direito dolorido por causa de um mal circulatório que o assolaria até o final da carreira, Giuseppe Meazza, aquele que presentemente é nome do estádio de Milão, espetacularmente lançou Guaita que colocou Angelo Schiavio bem na cara do impecável arqueiro Frantisek Planicka, 2 X 1. Um desalentado Jules Rimet se obrigou a permitir que o “Duce” tomasse a posse da taça e a entregasse ao capitão Combi. Frase de Rimet: “A política matou a beleza da festa”.

Em 1938, o bi do jornalista e treinador Vittorio Pozzo

Em 1938, o bi do jornalista e treinador Vittorio Pozzo
Reprodução

FRANÇA/38 (15 Nações)
Dia 19 de Junho
Itália 4 X 2 Hungria
Paris, Stade Olympique de Colombes, 55.000 espectadores
Árbitro: Georges Capdeville (França)
Gols: Colaussi/2, Piola/2 X Titkos, Sarosi

O placar não exprimiu a superioridade fartíssima da Itália liderada pelo centro-médio Michele Andreolo, natural de Montevidéu, no Uruguai. Logo aos 5’, com um sem-pulo fatal, Gino Colaussi fez 1 X 0. E logo aos 7 Titkos cravou 1 X 1 numa falha da retaguarda adversária. A “Azzurra”, de todo modo, não se abalou e literalmente hipnotizou os magiares. Silvio Piola desempatou aos 16’ e aumentou a vantagem aos 35 em duas situações coletivas, as trocas de passes que eram bem típicas nos times de Vittorio Pozzo, um jornalista transformado num treinador. A sua seleção, pedante, desperdiçou uma tonelada de chances de fechar o prélio com uma goleada e permitiu que Sarosi, livre de marcação, diminuísse aos 70’. Uma nova trama, aos 80’, conduziu Piola aos 4 X 2. Datalhe: o público local não hesitou em vaiar bastante a entrega do troféu, pelo constrangido Albert Lebrun, presidente da França, ao capitão Meazza, o seu braço na saudação fascista.

Em 1950, a entrega discretíssima, no meio de uma confusão

Em 1950, a entrega discretíssima, no meio de uma confusão
FIFA

BRASIL/50 (14 Nações)
Dia 16 de Julho
Uruguai 2 X 1 Brasil
Rio, Estádio do Maracanã, 174.000 espectadores
Árbitro: George Reader (Inglaterra)
Gols: Schiaffino, Ghiggia X Friaça

A final mais esmiuçada da História do Futebol. Houve até livros exclusivamente a seu respeito. Ao Brasil, que então atuava inteiramente de branco, bastaria preservar o 0 X 0. E o placar permaneceu nulo, na etapa inicial, basicamente graças às acrobacias do arqueiro Roque Màspoli. Melhor, aos 47’, em uma contra-ofensiva, Friaça registrou 1 X 0 e levou o Maracanã ao delírio. Inexplicavelmente, todavia, o Brasil, enquanto o público silenciava, o Brasil aceitou a reação da “Celeste”. Aos 66’, um lançamento de Obdúlio Varela colocou Alcides Ghiggia às costas de Bigode e do seu cruzamento surgiu o tento de Schiaffino. Pior, aos 79, de novo Ghiggia se infiltrou e bateu cruzado, tiro murcho que passou entre o arqueiro Barbosa e o poste. Quando o jogo acabou, Rimet precisou procurar Obdúlio, o capitão da “Celeste”, e lhe entregar a taça, discretamente, e desenxabidamente

Em 1954, Herberger, Fritz Walter, a taça e Anton Turek

Em 1954, Herberger, Fritz Walter, a taça e Anton Turek
FIFA

SUÍÇA/54 (16 Nações)
Dia 4 de Julho
Alemanha Ocidental 3 X 2 Hungria
Berna, Wankdorf Stadium, 63.800 espectadores
Árbitro: William H. E. Ling (Inglaterra)
Gols: Morlock, Rahn/2 X Puskas, Czibor

Gramado pesadíssimo. Diz a lenda que Sepp Herberger, o maroto treinador da equipe tedesca, subornou um zelador do Wankdorf Stadium e assim assegurou a superioridade da sua defesa em relação ao estilo bem leve dos magiares. O péssimo estado do campo, todavia, não impediu que, já no comecinho da partida, a Hungria escancarasse os seus 2 X 0. Aos 6’, Puskas, mesmo de tornozelo anestesiado e enfaixado para resistir às dores de uma lesão, na sobra de um passe errado de Kocsis. E, aos 8’, Czibor, no desfrute de uma falha do arqueiro Turek. Imediatamente, contudo, a Alemanha reagiu. Os seus atletas calçavam chuteiras de travas altas e, em pleno pântano, aos 10’, Rahn empurrou a Morlock, 1 X 2. Daí, logo aos 18’, ele mesmo escapou da zaga e fulminou o arqueiro Grosics, 2 X 2. O tento da vitória demorou, surgiu somente aos 84’, quando Rahn driblou Lantos de pé direito e fuzilou de canhota, 3 X 2. Detalhe: a Alemanha ostentava dois manos em seu elenco, Ottmar e Fritz Walter. Capitão do time, o mais velho, Fritz, recebeu o troféu.

Em 1958, de camisas azuis

Em 1958, de camisas azuis
CBF

SUÉCIA/58 (16 Nações)
Dia 29 de Junho
Brasil 5 X 2 Suécia, 49.800 espectadores
Solna, Estocolmo, Rasunda Stadium
Árbitro: Maurice Guigue (França)
Gols: Vavá/2, Pelé/2, Zagallo X Liedholm, Simonsson

Acostumado a uma tradição equivocada, os mandantes, cavalheirescamente, permitirem aos visitantes a escolha do fardamento, o Brasil levou à Suécia somente as suas camisas agora amarelas. Exatamente como as da equipe anfitriã. Consequência: às pressas, em Estocolmo, teve que encomentar um uniforme alvi-anil. A Suécia pregou um sustaço, logo aos 3’, quando Liedholm, sem qualquer empecilho, bateu da entrada da área, 1 X 0. Didi, craque e líder, não se abalou. Catou a bola no fundo das redes e a carregou, debaixo do braço, até o meio do campo. E logo aos 9’ nasceria a reação. Garrincha entortou dois beques e cruzou a Vavá, no meio da área pequena, 1 X 1. Lance idêntico sucederia aos 32, Vavá 2 X 1. E o Brasil decolou rumo à glória, enriquecida aos 55’ por um gol magistral do menino Pelé, 17 anos, dois lençóis em dois zagueiros. O utilitário Zagallo ganharia um prêmio merecidíssimo, aos 68’, pelota enfiada pela esquerda e o seu tiro do bico da área menor. De nada adiantou o tento de Simonsson, aos 80 pois o Brasil não perderia o seu prumo e, aos 90’, de cocuruto, Pelé ainda desenharia os 5 X 2. Daí Bellini, no topo de um estrado de madeira, eternizaria o gesto da taça exposta com justo orgulho.

Em 1962, com Mauro, o bis do gesto de Bellini

Em 1962, com Mauro, o bis do gesto de Bellini
CBF

CHILE/62 (16 Nações)
Dia 17 de Junho
Brasil 3 X 1 Tchecoslováquia
Santiago, Estádio Nacional, 68.000 espectadores
Árbitro: Nikolai Latyshev (União Soviética)
Gols: Amarildo, Zito, Vavá X Masopust

Como na Suécia, quatro anos antes, o Brasil saiu atrás no placar da final. Aos 15’, numa barbeiragem do meio de campo e da retaguarda da seleção de Aymoré Moreira, o volante Masopust se infiltrou e bateu à saída de Gylmar. E como na Suécia, o Brasil não demoraria a replicar. Já aos 17’, numa escapulida pela esquerda, e praticamente sem ângulo, Amarildo encontrou um espaço vazio entre o arqueiro Schrojf e o poste. Embora paulatinamente com o domínio das ações, o time de Aymoré apenas assumiria a vantagem aos 68’, quando Amarildo sassaricou diante de Tinchy, cruzou sobre a pequena área e, do lado contrário, com um pulo sensacional, o apoiador Zito testou a pelota quase no ângulo da trave. O terceiro gol ocorreu aos 77’, num alçamento despretensioso de Djalma Santos e num equívoco terrível de Schrojf, que tentou capturar a bola com uma só mão e a deixou sobrar até Vavá. Na reserva de Bellini em 1958, coube a Mauro, o agora capitão, exibir a taça.

Em 1966, Elizabeth II, Stanley "FIFA" Rous, o Príncipe Philip e o capitão Bobby Moore

Em 1966, Elizabeth II, Stanley “FIFA” Rous, o Príncipe Philip e o capitão Bobby Moore
FA

INGLATERRA/66 (16 Nações)
Dia 30 de Julho
Inglaterra 4 X 2 Alemanha Ocidental (prorrogação)
Tempo normal: 2 X 2
Prorrogação: 2 X 0
Londres, Wembley Stadium, 95.924 espectadores
Árbitro: Gootfried Dienst (Suíça)
Gols: Hurst/3, Peters X Haller, Weber

Britânicos e tedescos desembarcaram na decisão de 1966 graças a uma razoável ajuda dos apitadores e sempre às expensas de sul-americanos. Na fase das quartas, além de permitir joelhadas e voadoras a Nobby Stiles, volante da Inglaterra, apelidado de “Carniceiro”, Rudolf Kretlein, da Alemanha Ocidental, absurdamente expulsou o argentino Ubaldo Rattín. Foi antológica a lenta saída de campo do platino, que ainda arrancou a flâmula da Grã-Bretanha da haste do escanteio e a atirou ao chão. E James Finney, da Inglaterra, devastou o Uruguai ao excluir Horácio Troche e Héctor Silva. Na final, a Alemanha saiu à frente aos 12’ com Haller, a Inglaterra virou com Hurst aos 18 e Peters aos 78, mas o tedesco Weber saboreou uma confusão na área da hospedeira para cravar 2 X 2 aos 90’. Então, aos 11 da prorrogação, com a conivência calhorda de Tofik Bakhramov, o auxiliar soviético, o suíço Gottfried Dienst validou um gol-fantasma de Hurst – a pelota resvalou no travessão e caiu fora da meta. O quarto tento também saiu numa situação irregular, aos 30, uma investida de Hurst, com uma dezena de malucos, invasores do gramado, em seu encalço. Claro que desta vez na tribuna de honra, a Rainha Elizabeth II entregou a taça a Bobby Moore.

Em 1970, com Carlos Alberto, a reprise do gesto de Bellini e de Mauro

Em 1970, com Carlos Alberto, a reprise do gesto de Bellini e de Mauro
Arquivo Pessoal

MÉXICO/70 (16 Nações)
Dia 21 de Junho
Brasil 4 X 1 Itália
Cidade do México, Estádio Azteca, 107.412 espectadores
Árbitro: Rudi Gloeckner (Alemanha Oriental)
Gols: Pelé, Gérson, Jairizinho, Carlos Alberto X Boninsenga

Uma decisão absolutamente unilateral. A “Azzurra” não teve qualquer chance diante da “Canarinho”. Pelé abriu o marcador aos 18’, ao saltar bem mais alto que o zagueiro Burgnich. E a Itália apenas fez a sua “rete” aos 37’, numa bobagem de Clodoaldo, que cedeu uma pelota dominada na intermediária, e na saída estabanada do arqueiro Felix, atrapalhado por Gigi Riva nas imediações da meia-lua. O atento Boninsegna disparou com a meta vazia. O destino, porém, providenciaria uma justiça adequada a dois atletas fundamentais naquela seleção de Mário Zagallo. Aos 65’, o esplêndido Gérson surrupiou a bola de um rival, correu, horizontalmente, junto à linha da grande área, e fulminou o arqueiro Albertosi. Logo aos 70, enquanto os inimigos reclamavam de uma infração apontada por Gloeckner, o mesmo Gérson cobrou, depressa, pelota na testa de Pelé, que a desviou a Jairzinho, que enveredou pela retaguarda da “Azzurra” e entrou na meta de bola e tudo. Enfim, aos 86, um prêmio ao capitão Carlos Alberto, uma jogada de exatidão geométrica, de Rivellino a Tostão e até Pelé, que se limitou a encostar para o petardo do lateral. Caberia a Carlos Alberto reprisar o gesto de Bellini e de Mauro. A terceira conquista alternada do Brasil lhe permitiu a posse definitiva da Jules Rimet. Para sempre, do Brasil.


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